Sexo sem Compromisso ou Amor

  • Publicado em: 15/11/15
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  • Autoria: Arquiduque
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Letí­cia preenchia seu formulário de treino quando foi abordada por um dos professores da academia naquela amanhã.


- Letí­cia?


- Sim. Pois não?


- É seu novo treino?


- Ah sim Arthur. Comecei no iní­cio da semana.


- Você sabe que pode preencher online né? Agora você pode acompanhar seu ritmo de treino pela internet, ainda estamos desenvolvendo um aplicativo pra facilitar o controle. - disse ele educadamente.


- Entendi. Legal, depois dou uma olhada.


Letí­cia estava irritada naquela manhã. Teve uma péssima noite de sono depois de ter seu encontro desmarcado. Das redes sociais pululavam imbecis. Era como se ela estivesse sempre em segundo plano, resultando em três tentativas frustradas em um curto intervalo de tempo. No fim das contas o filme foi ótimo, a comida do restaurante estava perfeita, mas ela estava só, abandonada, à deriva no mar agitado das emoções. A solidão e a morte pareceram dialogar num monólogo triste e chuvoso naquele domingo. Letí­cia preferiu acreditar que não era o desmoronamento da felicidade futura, só um pequeno contratempo que não deveria estragar sua rotina semanal. Banho e cama, mais cedo, mais chorosa, mais revoltada, enquanto sua vida amorosa ruí­a.


"Azar no amor. Eu poderia pelo menos ser milionária nesta vida".


- Letí­cia?


- Sim... desculpe, estava distraí­da. O que você dizia mesmo?


- Vê aquele instrutor encostado perto da cadeira flexora, que está de costas pra gente?


- Sim. O que tem ele?


- Será o seu personal a partir de agora. O Jamil pediu demissão ontem porque arrumou outro emprego. O seu professor novo vai te conduzir no treino, já olhou sua ficha hoje de manhã. O nome dele é Alexandre, mas ouvi dizer que o apelido dele é "Xandão". Acho que você vai gostar do cara...


- Alexandre... Hum... Desculpe a pergunta, mas qual o sobrenome dele?


- Alexandre Rosemberg, por que?


- Por nada... Apenas curiosidade... Se me der licença vou indo...


- Claro! Fique à vontade...


Letí­cia pegou uns pesos e começou a malhar perto dos espelhos. O novo personal veio em sua direção e ela se sentiu atemorizada. Tentou esconder a surpresa. Alexandre era seu ex-namorado na época do colégio. O fim do namoro depois da formatura se arrastou por meses. Ele dizia que a amava, que se mataria se ela não reatasse, fez inúmeras juras de amor. E de ameaça. Letí­cia se sentia perseguida, arrumou muitos paqueras e tentava fazê-lo se afastar e esquecê-la de uma vez. Foi inútil. Ele tentou o suicí­dio duas vezes, hesitou, salvo pela própria consciência dizendo que não valia a pena. Suas últimas tentativas foram as muitas cartas, mensagens e atentados hostis. Ficou inexoravelmente confinado em internação médica e depois sumiu do mapa. Letí­cia nunca mais soube dele. Depois de alguns anos quis procurá-lo, pedir perdão, tentar resgatar ao menos a amizade. Em vão. Fatalmente, e de forma repentina, surgiu a hecatombe quando há pelo menos duas semanas, depois de doze anos, ela recebeu um e-mail estranho e assustador. "Eu ainda te amo, você vai pagar pelo que fez". Não tinha remetente, nem assinatura. Era ele. O fantasma do eterno retorno.


- Letí­cia? Não acredito.


- Alexandre? Não acredito.


Ambos riram. Letí­cia sentiu no espí­rito uma inquietude.


- Sou o seu novo personal. Que coincidência não?


- Muito conveniente pra você né? - respondeu ela não pretendendo esconder a grosseria.


- Desculpa, não entendi.


- Como você sabia que eu treinava aqui?


- Eu não sabia. Quando me deram as fichas dos meus alunos a sua estava no meio. Eu não planejei nada disso.


- Sei.


- Se você estiver se sentindo desconfortável podemos trocar seu personal. Vou falar com o Arthur. - afirmou Alexandre já dando as costas para Letí­cia.


- Espera! Desculpa... Não precisa. É que... Essa situação me pegou de surpresa. Tí­nhamos coisas não resolvidas... Tantas mágoas... - Letí­cia o abraçou fortemente e deitou a cabeça em seu peito com lágrimas nos olhos.


- Tenha calma. Não estamos mais no passado, eu tenho outra vida, novos projetos, voltei pro Brasil há um mês e nem consegui arrumar minhas coisas ainda. Meu apartamento está uma tremenda bagunça. Sabe, desde aquela época sou o mesmo preguiçoso. Isso nunca mudou.


- Me perdoa?


- Não tenho nada que te perdoar. Esqueça... Vamos ao seu treino... Cadê sua ficha?


- Está aqui. Tem uns treinos novos pra bí­ceps e coxa que ainda não sei fazer direito.


- Vamos lá vou te explicar...


Letí­cia se revirava na cama. O sono não pretendia aparecer naquela noite. Sua cabeça era um turbilhão de pensamentos.


Alexandre fitava o teto. Pegou no sono aos poucos e depois adormeceu devagar. Na manhã seguinte teve a sensação de ter despertado de "sonhos intranquilos".


***


- O Alexandre não veio hoje? - perguntou Letí­cia animada.


- Sim, ele está lá no fundo. Precisa de alguma coisa? - questionou Arthur.


- Estou com dúvida em alguns treinos.


- Espera um pouco.


- Amanda! AMANDA! Dá um pulo aqui.


Letí­cia hesitou. Não quis ser indelicada, mas não pretendia ser atendida por outra pessoa.


- Sim chefe. - Amanda se apresentou prontamente.


- Esta é Letí­cia.


- Tudo bem amor?


- Sim. - Letí­cia estava ainda mais hesitante e nervosa.


- Essa é sua nova personal. - disparou Arthur.


- Como assim? E o Alexandre? Não estou entendendo...


- Ele pediu para remanejar alguns alunos de sua turma. Não foi nada pessoal.


- Tudo bem.


- Tudo bem mesmo?


- Sim.


- Ainda precisa de ajuda? - perguntou Amanda.


- Preciso sim.


Letí­cia passou alguns dias com o humor em frangalhos. Arthur percebeu o clima pesado entre ela e Alexandre, mas decidiu que não se envolveria. A história dos dois não o interessava, a menos que impactasse na rotina profissional da academia.


No fim de semana Letí­cia saiu com umas amigas pra curtir, beber e esquecer. Muita música e álcool num bar nostálgico de rock pesado. Sua amiga de infância e companheira de todas as horas era Lene. Encontros esporádicos. Experiências intensas. A amiga da vez.


- Foi homem de novo? - inquiriu Lene.


- Acho que sim, sei lá...


- Vou reformular a pergunta: foi pinto ou foi homem?


- Explique.


- Quando o pinto nos afeta, a gente troca de pinto e pronto. Sexo mal feito é fácil de resolver. Uma chuveirada e lavou tá novo. Agora quando é homem é foda, eles mexem com nossos sentimentos, machucam de um jeito tão perigoso que nem a maior rola do mundo machucaria... Se é que me entende.


- A pauta de hoje é sexo versus amor?


- Mais complicado que isso. É paixão que transcende, que nos leva a um estado mais potente...


- ... E mais perfeito do próprio ser. - completou Letí­cia.


- Espinosa.


- Eu sei. Você se esconde atrás do pensamento espinosano pra justificar suas irresponsabilidades diante das relações afetivas. Nunca se apegou?


- A um pinto?


- A uma pessoa, sua cabeçuda.


- Já sim e sofri muito, quase entrei em depressão. Mas eu decidi que nenhum homem mais me faria chorar e sofrer outra vez. É humilhante.


- Aí­ você decidiu ser livre?


- Aí­ eu decidi ser puta e pegar geral!


Letí­cia riu alto.


- Vamos pra pista, a banda vai começar a tocar.


Lene pegou a amiga pelo braço e a arrastou para perto do palco.


- Devagar que eu ainda estou na brisa daquele trovão azul.


E as duas começaram a pular quando as guitarras berraram como as deusas da noite. Letí­cia chorou na terceira música "digital bath". Era sua preferida.


- São dois.


- O quê você disse? - gritou a amiga secando as lágrimas de Letí­cia.


- São dois, os homens que estão me destruindo por dentro.


- Ah não... Logo dupla penetração?


- Pára! Mas que mania essa a sua!


- Vem cá minha menina...


O silêncio pareceu lhes tomar a percepção de espaço-tempo. Um beijo explodiu entre as duas no meio da multidão alheia ao que irrompia entre elas.


**


Duas semanas haviam se passado. Letí­cia e Alexandre eram quase dois estranhos, exceto pelos "ois" que trocavam todas as manhãs.


Durante um dos treinos Letí­cia se machucou levemente e teve que ser atendida na enfermaria. Sem professores disponí­veis naquele momento Alexandre a acompanhou e o frágil jejum de taciturnidade entre eles tinha se rompido.


- Está se sentindo melhor? - perguntou Alexandre com fineza.


- Estou sim, obrigada. Pode ir se quiser, daqui eu já consigo me virar.


- Eu queria antes te pedir desculpas.


- Pelo que?


- Por ter desistido de tê-la na minha turma.


- Tudo bem.


- Tudo bem não. Eu me sinto execrável. Eu não estava à vontade desde o iní­cio. Antes de te ver já tinha pedido ao Arthur que não colocasse você comigo. Senti medo do que poderia acontecer. Eu fui covarde, mas ele insistiu, disse que bons profissionais têm coragem de enfrentar seus medos e desafios. E eu... Sinceramente não entendo esse blablablá de motivação... Sinto muito...


Letí­cia respirou fundo antes de falar.


- Eu te entendo. Temos muito que conversar. Não podemos mais fugir dessa conversa.


- Eu não quero conversar.


- Não?


- Eu quero fazer amor.


Ela tentou disfarçar o suspiro de indignação.


- Desculpa. Você está falando sério?


- Muito.


- Fazer amor. Sabe o que isso significa? Já pensou nas consequências? - Letí­cia perguntava de forma imperativa.


- Não quero pensar em nada. Não estou te pedindo em casamento. Eu estou apaixonado por outra pessoa e achei que você poderia...


- Apaixonado por outra pessoa e me quer nua na sua cama? Mas que que absurdo!


Letí­cia deu de ombros e virou o rosto pincelado num tom vermelho de ira.


- Sim. É você essa "outra pessoa" - disse Alexandre tocando no rosto dela levemente - por quem estou caí­do de tesão. Não é minha pretensão criar laços afetivos que nos responsabilize pelo resto da vida. Eu quero apenas terminar uma noite abraçado contigo, sem dizer nada. E o imprevisí­vel que faça seu jogo e nos surpreenda.


- Você é bom com as palavras.


- E não pretendo ficar unicamente no discurso.


- Sexo sem compromisso? Essa é sua proposta?


- Amor sem regras. - Alexandre foi taxativo.


- Como chegamos mesmo nessa conversa?


- Acho que estamos num lamentável estado menos potente...


- ... E menos perfeito do próprio ser. Mais um espinosano querendo explicar a tristeza em minha vida.


- Fiquei sem palavras. Sou vibrado no pensamento de Espinosa. Estudei a filosofia dele durante os anos que fiquei fora. E você completando minha citação... Pega meu telefone... Quando puder me liga. Estou seriamente afetado...


- Afetado?


- No real sentido da palavra.


- E mesmo assim vai correr o risco de arruinar sua vida por uma mulher que já te machucou muito?


- Tenho certeza. Aliás, não tenho. Estamos para a vida, como uma folha está para uma tempestade de afetos que não podemos controlar.


- Quero ver aonde isso vai nos levar... Senhor Espinosano...


Letí­cia remexia a bolsa procurando seu cartão de crédito para pagar seu almoço e voltar rápido para o escritório. Ela estava pilhada de trabalho naquele fim de mês. Subitamente o papel com o telefone de Alexandre emergiu na bagunça de suas coisas. Ela esvaziou seus pulmões entregue a um lamento de angústia. Era hora de se decidir.


"Eu quero fazer amor". Letí­cia revirou-se na cama. O relógio marcava três da manhã. Seus pensamentos eram indomáveis. Suas vontades eram cavalos selvagens. Letí­cia pegou o celular. Ouviu a voz do outro lado. Ficou muda por um breve instante.


"Venha me ver".


"Agora? E assim do nada? Você é maluca?"


"Preciso muito de você e não pode ser amanhã".


"Chego em meia hora".


"Nem um minuto a mais".


Letí­cia ouviu o ronco do motor desligando em frente à sua casa. A hornet amarela parecia ter pousado de um castelo de nuvens. Era o som da pantera. Uma sombra se projetou no muro, depois na janela e um vulto entrou como um raio negro atravessando as cortinas do quarto. Letí­cia se entregou a um beijo ardente enquanto tirava as roupas. Seios à mostra. Seu gemido foi abafado por uma boca que lhe chupava todos os poros do corpo. A nudez era um destino implacável.


- Por que me chamou a esta hora? - perguntou Lene acendendo um cigarro ao sair do banheiro.


- Não sei. Estava sem sono. E cheia de tesão.


- Foi homem de novo?


- Infelizmente...


- Sai dessa vida. Já falei pra tu arrumar um pinto!


- É o Alexandre.


- Que Alexandre?


- Meu ex-namorado do colégio. Lembra dele?


- Caraca! Que merda! Jura que é ele mesmo? Por que não me contou antes?


- Você iria me criticar.


- Ia mesmo. Sua vaca. Tá saindo com ele?


- Ainda não. Ele tá diferente agora...


- Minha criança... Percebe o que tá acontecendo? As pessoas mudam muito pouco e nos enganam falando de maturidade, respeito, esperança de alegria em um mundo de tristezas...


- Ele parece outra pessoa.


- Então foge. Estou sentindo um maremoto.


- Não sei o que fazer. - Letí­cia tapou o rosto com as mãos tentando esconder que lacrimejava.


- Você tá caidinha por ele. É evidente! Garota desculpa te dizer... Você tá perdida...


**


Eram quatro horas da tarde quando Letí­cia olhou no relógio. Uma sexta-feira calorenta e com cara de chuva.


"Vem tempestade por aí­ senhor Wayne" dizia a TV acima do balcão. No bar já passavam das dezoito horas. Pessoas transitavam entre as mesas, esbarrando nas pessoas, rindo alto. Letí­cia sorveu um gole de seu vinho e ficou passando os dedos em volta da taça.


- Então...


- Conte-me o que fazia na Inglaterra. - disse Letí­cia iniciando o que parecia ser uma longa conversa.


- Eu estudava numa faculdade pequena em Londres chamada "University of Greenwich". Lá eu fiz administração e uma pós-graduação em direitos humanos. Dedicação exclusiva... Aí­ você deve estar se perguntando o que me trouxe de volta ao paí­s pra trabalhar como professor de educação fí­sica em uma rede de academias.


- Exatamente.


- Não cheguei a atuar na área administrativa depois de formado. Na verdade o curso de administração era cansativo e chato. Não era minha vocação. Quando me especializei em direitos humanos descobri no esporte uma poderosa ferramente de inclusão social.


- Certo... - disse Letí­cia, desdenhosa do que ouvia, e franziu o cenho desconfiada - continue... Sou toda ouvidos.


- Imagino que você não saiba - Alexandre insistiu com sutileza - mas em muitas regiões de extrema pobreza, como na África, o povo tem acesso irrisório à prática de esportes. A educação fí­sica de forma assistencial pode programar atividades coletivas de recreação, lazer e até desenvolver algum projeto dentro da área da saúde e bem-estar, oferecendo qualidade de vida para populações marginalizadas. O esporte serve como modelo de reintegração social necessária, de interação entre culturas, de recuperação da dignidade do Homem. Você entende a dimensão desse trabalho?


- Entendo sim. - Letí­cia se retraiu percebendo seu julgamento leviano e incauto.


- No exterior é difí­cil conseguir espaço pra elaborar um projeto efetivo. Ainda mais sendo um estrangeiro lavador de pratos. Consegui fazer três anos de educação fí­sica e voltei pro Brasil. Encontrei aqui um campo imenso de atuação.


- Lá na Inglaterra você tinha bolsa de estudos?


- Não tinha bolsa não... Eu trabalhava de madrugada num "sex pub" pra me manter... Muitas putas e gente se drogando o tempo todo. Era esquisito.


- Sei. E as inglesas são boas de cama?


Alexandre sorriu percebendo que ela queria mudar de assunto.


- Sim. Melhores do que algumas brasileiras.


Letí­cia ficou séria. Percebeu a indireta.


- Como você pode falar assim das mulheres da sua pátria?


- De algumas.


- Nossa! Eu fui tão ruim desse jeito?


- Foi sim, naquela época.


- Você sumiu e sua famí­lia não quis me dar nenhuma informação quando te procurei uns anos depois. Eu estava arrependida de tudo que tinha feito...


- Meus pais ficaram muito magoados com o que aconteceu. Gostavam de você. Eu fiquei internado três meses num hospital psiquiátrico porque tentei o suicí­dio duas vezes tomando remédios. Na clí­nica eu estava sempre sedado, desligado da Terra e não vivia mais, apenas vegetava... - Alexandre mudou sua feição para um gesto sombrio e seu olhar havia perdido o brilho.


- Eu não sabia... Olha eu nem sei o que te dizer...


- Fica em paz, eu sobrevivi... Causalidades do destino... No ano seguinte minha famí­lia me enviou pra Londres. Foi um intercâmbio de urgência.


- Fácil assim ir pro exterior?


- Meu tio Antony conhece umas pessoas e mexeu uns pauzinhos.


- Entendi...


- Vou pedir mais uma garrafa de vinho...


- Como quiser meu prí­ncipe... Ainda temos muita carne pra moer na máquina sangrenta da filosofia... - ela gargalhou impiedosa.


- Como quiser milady. Na "insustentável leveza do ser" os seus desejos serão uma ordem!


- Veremos...


E dois errantes passaram a madrugada com meios sorrisos, na permuta pelas verdades irresolutas e vendendo, cada um, suas imprecisas e duradouras conjecturas.


**


Letí­cia ouviu a descarga e depois a água que descia pelo ralo do chuveiro. Era o décimo encontro entre ela e Alexandre. O sexo estava cada vez mais febril. Ele sabia manter o ritmo das estocadas e as palavras de carinho sussurradas no ouvido dela. Parecia um sonho. Cada encontro era um novo frenesi.


"As inglesas te ensinaram muita coisa" Letí­cia pensou enquanto abraçava o travesseiro. Sua mente flutuava numa alegria quase nostálgica. Aquele amor entre eles era uma espécie de catarse. Alexandre deitou-se novamente. Estava úmido e gelado.


- O que você tá fazendo?


- Posso dormir aqui hoje?


- Por que?


- Fiquei com saudade de dormir agarradinho com alguém...


- Com alguém?


- Com você meu amor... Com você...


- Sei. - Letí­cia ficou magoada.


- Calma meu anjo... Eu estava testando seus sentimentos...


- Não gostei, não faz mais isso. Ok?


- Ok.


- Às vezes você me assusta Ale...


- Não sinta medo... São provocações filosóficas, apenas isso...


Alexandre abraçou-a como se nada tivesse acontecido. Letí­cia sorriu e depois de muitos meses adormeceu profundamente numa noite vazia de alegorias fantasmagóricas.


A manhã entrava pela janela dando seu bom dia com gotas fracas de sol rasgando o mormaço. As mãos leves de Letí­cia tatearam a cama. Os lençóis projetaram as marcas de um homem que provavelmente saiu cedo, na pontinha dos pés, para não acordá-la. Ela levantou-se e foi até a cozinha. Havia um bilhete dobrado em cima da mesa. Poucas palavras. E um terror lhe tomou a lembrança sórdida de um recado anônimo. Ela deu um sobressalto enquanto o papel caí­a de suas mãos.


"Eu ainda te amo. Você vai pagar pelo que fez".


Letí­cia tentou se esquivar da faca, mas foi atingida no ombro, depois abaixo do tórax. Sua visão ficou turva. Os gritos de socorro não saí­ram. Suas pernas adormeceram e ela caiu no chão sentindo a vida esvair de seu corpo enquanto era estripada.


Gotas de chuva montavam na janela um caleidoscópio transparente. Eram os momentos finais se desenhando naquelas vidas demasiadamente estúpidas. Letí­cia pulou da cama. Resfolegou se recuperando do pesadelo num silêncio murmurante. Olhou ao redor. A cena se repetia como um déjí -vu. Ela foi até a cozinha acautelada pelo medo do perigo. O bilhete em cima da mesa era apavorante. Sua via crúcis. Ela desdobrou o papel receosa. Leu cada palavra. Os olhos marejaram. Beberia aquele cálice até o fim. E suas pernas perderam a força. Seus lábios estremeceram.


"Quero me casar com você".


Ela disse sim. E encheram a casa com três filhos lindos.

*Publicado por Arquiduque no site climaxcontoseroticos.com em 15/11/15. É estritamente proibida a cópia, raspagem ou qualquer forma de extração não autorizada de conteúdo deste site.


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